A senhora sentada ao meu lado era muito bonita. Tinha a pele branca e quase transparente e as rugas espalhadas em todo o corpo exibiam a avançada idade que os ossos também lhe doíam. Os olhos eram de um azul muito brilhante, o cabelo longo, que já fora negro, o sorriso terno quando cruzou o seu olhar com o meu.
Esperavamos ambas a nossa vez, na loja RIAC das Capelas, para ser atendidas, hoje à tarde. Eram 15h30.
Quando cheguei, já ela lá estava.
Esperei cerca de meia-hora. Havia apenas uma funcionária, porque "só até às 15h é que somos duas funcionárias", explicou.
Finalmente, chegou a vez de um rapaz também sentado ao meu lado e que ainda não tinha tirado os dedos e os olhos do seu smartphone (smart?) desde que eu tinha chegado. Ele cedeu a vez à minha vizinha velhinha, a "titi", como carinhosamente lhe chamava a jovem sobrinha que a acompanhava.
A Titi lá se sentou na cadeira em frente à amável funcionária da RIAC.
A Titi retirou do saco de plástico branco, no colo, dois papéis: um cheque e o seu bilhete de identidade.
A simpática funcionária olhou para o cheque, olhou para a Titi e disse:
- A senhora desculpe, mas eu não tenho dinheiro para lhe pagar! :-(
A Titi balbuciou qualquer coisa que não entendi.
Entretanto a funcionária abre uma gaveta, retira todas as notas de 10€, conta: 10, 20, 30, 40, 50... até 100. Depois retira as notas de 5€, conta: 5, 10, 15, 20. Conclui: pois, não tenho dinheiro suficiente para lhe pagar.
A sobrinha pergunta: - Então e agora?
- Pode vir cá amanhã, tentar, ou o melhor é ir a outra loja RIAC, em Ponta Delgada.
- E a que horas abrem aqui?
- Às 9h, mas eu a essa hora não tenho dinheiro, de certeza. Porque ELES, agora, não me mandam dinheiro para cá. Eu tenho que esperar que venham pessoas fazer pagamentos, para depois ter algum dinheiro. Se tivesse vindo um bocadinho mais cedo, eu ainda tinha dinheiro...
- Como???? - a pergunta nasce na minha cabeça com um gigantesco ponto de interrogação que me sufoca a garganta e me faz nascer lágrimas nos olhos.
A Titi, hoje, saiu de casa, a custo, para ir à RIAC com a sobrinha... esperou, sorriu, abriu o saco com os documentos da sua intimidade, balbuciou qualquer coisa imperceptível e... não conseguiu receber a sua mísera pensão de sobrevivência. Que raiva!
(publicada hoje como "Nota" na minha página do facebook)