quarta-feira, 3 de abril de 2013

blogar em Montevideo


Creio que, já há uns anos, me surgiam pensamentos comparativos entre os Açores e o Uruguai. Talvez valesse a pena consultar a etiqueta Uruguai deste blogue, mas ainda assim, o hoje é o que resulta do que vi e vivi no ‘ontem’.
Hoje, detenho-me a olhar para um país com 3 milhões de habitantes (metade dos quais vivem na capital), com uma área territorial igual ou superior à de Portugal, plano (o ponto mais alto ultrapassa pouco os 500 metros), com uma grande extensão de costa e uma baixíssima burocracia. A geografia talvez afecte a horizontalidade das relações – penso. Sempre em frente, olhos nos olhos, não há que escalar montanhas nem a necessidade de escorregar do cimo do monte. Olho para a rapidez com que consigo uma reunião com ministros, directores, sub-directores de ministérios, embaixadores, etc etc etc e pergunto-me:
- Porque burocratizamos tanto, lá do outro lado do mar? Será que emburrecemos, de facto, com o peso da história a corresponder ao peso da independência? A independência de Portugal tem 8 séculos. A do Uruguai ainda não tem 200 anos. A autonomia dos Açores quantos anos tem?
Pergunto-me se, em democracia, não deveria ser sempre assim simples o acesso e o encontro entre cidadãos/ãs e as pessoas (por nós eleitas) que ocupam cargos de maior poder político.
Simples, rápido, eficaz.
Se se faz num país com 3 milhões, porque não se faz numa região com 260 mil pessoas?

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As encadernações térmicas são caras. O café é caro. O salário mínimo é praticamente igual ao nosso (ou mais elevado). A cerveja bebe-se ao litro (partilhada entre várias pessoas) e uma delas tem nome de mulher. Estão 21 graus em Montevideo, 83% de humidade. Sinto-me em casa. A cidade tem a mesma luz de Lisboa. A ciudad vieja é muito bonita e o mar está sempre a meia dúzia de quadras (quarteirões) ou menos. A senhora da loja de ferragens, onde tenho que comprar uma ficha adaptadora para o meu computador, nunca esteve em Cabo Polónio. Eu vivi lá 2 meses e filmei um documentário. A subdirectora do Ministério de Relações Exteriores (correspondente aos nossos Negócios Estrangeiros) não sabia que São Carlos tinha sido fundada por açorianos e cumpria já 250 anos de vida, mais do que a independência do país. A sua confissão revela uma humildade e honestidade raras vezes vista em pessoas que ocupam aqueles cargos políticos.
O encargado de negocios da Embaixada de Portugal (cargo que substitui, aqui, neste momento, o de embaixador) chegou, pela primeira vez, anteontem (não, não era mentira de 1 de Abril!), ao Uruguai. Hoje, recebe-nos em audiência.
O director de programação do Teatro Solis é argentino e deixou-nos as portas bem abertas naquele teatro (corresponde a um Teatro Nacional, em Portugal ou em Espanha) para integrar o nosso espectáculo na “Montevideo capital iberoamericana de la cultura” até Março de 2014.
O fainá é delicioso. O mate é inevitável. As pessoas são encharcadas em amabilidade, quando nascem. Merecem ser gostadas, claro!
Os olhos abrem-se mais do que é costume, com muita regularidade. Esse movimento combate o aparecimento de rugas. As velhas são sempre bonitas!
Os cafés são lugares de encontros, solidões e cultura para ser vividos horas sem fim.
Os carros com mais de 60 anos ainda circulam e os topo de gama também convivem com estes.
As mercearias, restaurantes, supermercados, gelatarias, pizarias fazem entregas ao domicílio sem custos adicionais até à 1h da manhã.
As pessoas mais pobres são responsáveis por fazer a reciclagem no país. Com uma carroça puxada por um cavalo ou simplesmente com um carro de mão, recolhem das portas das casas e junto aos contentores, os papéis, cartões e plásticos separados e limpos por quem os deita fora, que vendem, depois, nas fábricas de reciclagem.
Peço um café en taza no El Candil em Paraguay esq. San José. Chega-me um tabuleiro com o ‘meu’ café, acompanhado de 1 copo de água, um copo de sumo de laranja, uma noz de natas, uma taça de pipocas, um caramelo, duas tacinhas (uma com canela em pó, outra com cacau em pó), um bolinho em miniatura. Consuma tudo ou nada, o café custa sempre o mesmo. É o carinho que vem de oferta. Pequenos gestos, em todos os lugares, que nos convidam a regressar ou nos levantam a curiosidade para descobrir outros cafés.

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Ontem, a folha de um plátano voou e entrou pela janela a beijar-me a cara, no bar 36. Pousou no teclado do computador onde eu falava com um amor.
Os momentos simples vestem-se de magia e enchem-se de uma sensação de alegre surpresa.
Chuviscava. Depois chovia. Um homem, a pé, puxava uma mangueira de água ligada a um camião cisterna que passava lento. O homem lavava as ruas e a chuva lavava-o a ele.
Depois, a noite afundou-se na tempestade. Os relâmpagos não paravam de se suceder. Os trovões ressoavam nas ruas como bombas. Umas perto. Outras longe. Chovia muito. E nós, eu e os outros, caminhámos de mini-saia (ou calções) e manga curta.
Ninguém corria debaixo de água. Ninguém usava chapéu-de-chuva.

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